24 de out. de 2007

Sombras de Goya

Um Goya fantasmagórico

Milos Forman fracassa ao tentar criar um filme capaz de transitar entre diferentes gêneros cinematográficos

STEFANIE GASPAR
O FINO DA MOSTRA


Na Espanha de 1792, com o recrudescimento da Inquisição, a jovem Inez Bilbatua, musa do pintor Francisco Goya, é acusada de heresia. O padre Lorenzo, líder do movimento que guiava a repressão comandada pela igreja, se envolve com Inez, e a partir daí a trama girará em torno do destino dos dois personagens e os desdobramentos históricos da época.

O pintor é muito mal retratado em Sombras de Goya. Apesar do trabalho excelente do ator Stellan Skarsgård, que consegue passar grande parte da expressividade do artista através do olhar, o roteiro é feito para evidenciar dois personagens: Inez e Lorenzo. Francisco Goya parece ser apenas um artifício do texto para juntar as vidas dos dois personagens. E convenhamos: isso não seria um problema se esse ponto de ligação fosse qualquer outra pessoa. Mas colocar um artista perturbador como Goya atuando apenas como catalisador é, no mínimo, provocação.

O filme transita sempre entre dois gêneros: o drama (descarado) e a farsa (e não a comédia). Explico: a intenção do filme não é fazer rir, e sim evidenciar o tom de farsa de determinadas situações (como a afirmação de Lorenzo sobre a eficácia do método de interrogatório feito pela igreja – a tortura). Mas esse tom irônico não foi desenvolvido de forma eficiente, já que só é capaz de provocar risadas advindas do ridículo. E é aí que surge, para mim, o principal problema do filme: a ridicularização excessiva (digo mais – a espetacularização) de temas seríssimos e nevrálgicos, como a Inquisição. Não há nada de engraçadinho no extermínio de inocentes promovido pela igreja na época. O tom de farsa torna-se, em vez de irônico, um propagador do mal gosto.

É importante ressaltar que não existem temas proibidos para a ironia, a farsa e a comédia. Mas é preciso de uma delicadeza e um senso irônico que nem todos conseguem alcançar. O próprio Monty Phyton fez uma sátira ao mesmo assunto do filme com o quadro The Spanish Inquisition!, que era hilário e sem toques de maus gosto – um humor negro inteligente. E é isso que falta ao filme do diretor Milos Forman.

Entretanto, o filme tem raríssimos momentos excelentes, como o a confecção de uma das gravuras de Goya. É uma cena tão interessante e mágica que é como se, pela primeira e única vez no filme, algo do espírito da obra de Goya surgisse da película. Seria absolutamente emocionante, se não fosse tão curta. Mesmo assim, são esses momentos de beleza que acabam sempre perdurando nos filmes, não importa quão fugazes eles sejam. A fotografia do filme, em alguns momentos (como na execução de Lorenzo), é capaz de capturar um pouco da atmosfera sombria das obras de Goya, e são essas poucas cenas que são capazes de criar uma imagem duradoura na mente do espectador.

O que fica para mim de positivo, fora o momento da confecção da gravura, nada tem a ver com o filme em si – são as obras de Goya mostradas durante os créditos e a abertura. Gravuras maravilhosas da Coleção Caixanova que, com certeza, poderiam dar o tom para um filme excepcional sobre a obra do artista espanhol – que, infelizmente, não é Sombras de Goya.


SOMBRAS DE GOYA
(Goya’s Ghosts, EUA/Espanha)
Direção: Milos Forman
Perspectiva | 2006 | 114 min

19/10 | 19:00 – Cinemark Shopping Eldorado
21/10 | 18:20 – iG Cine
23/10 | 13:00 – Frei Caneca Unibanco Arteplex 1

Um comentário:

fio da meada disse...

"a ridicularização excessiva (digo mais – a espetacularização) de temas seríssimos e nevrálgicos, como a Inquisição"

Facil criticar, dificil eh criar... tudo eh uma questao de sensibilidade, como voce faria