29 de set. de 2008

O FINO DA MOSTRA 2008


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1 de nov. de 2007

Redacted

Palmas e vaias para Brian de Palma

Quase diferente e com argumentos mais do que desgastados, Redacted é um filme-panfleto

PEDRO CANÁRIO
O FINO DA MOSTRA


Em um checkpoint (ponto estratégico onde os militares fazem um pedágio para evitar futuros problemas) do exército americano em Samarra, Iraque, o jovem recruta Angel Salazar resolve fazer um diário audiovisual da rotina dos soldados. Sua intenção, a princípio, era fazer um documentário e usa-lo para tentar entrar numa faculdade de cinema depois que fosse dispensado de suas atividades militares.

Porém, a tropa de Sally (com ele é chamado por seus companheiros) resolve invadir a casa de uma família iraquiana para fazer sexo com a menina de 15 anos que mora ali, e acaba matando todos os moradores da casa. Logo o soldado se vê numa situação delicada: sua câmera estava lá para observar tudo, e poderia fazer com que aquela situação entrasse para a história como uma espécie de Abu Ghraib 2.

MUITAS PALMAS PARA BRIAN
Com Redacted, Brian de Palma consegue fazer quase dois filmes em um. O primeiro filme aparece como se fosse uma reportagem de um canal de TV francês sobre a base de Samarra, onde a câmera aparece apenas como mera observadora, com a função mostrar os principais acontecimentos do lugar. Este é o espaço que o diretor usa para fazer seus questionamentos sobre a guerra e sobre a situação ali apresentada; o segundo filme é justamente o vídeo do recruta Sally, que dá uma cara de documentário a Redacted, transformando a câmera em não mais uma simples observadora, mas a coloca como protagonista da maioria das situações (muitas delas não aconteceriam se não fosse por ela).

O mérito do filme está exatamente na inovação de incorporar linguagens que não são comuns a filmes de ficção e ao misturar diferentes formas de filmar. Brian de Palma justifica o Leão de Prata de direção no Festival de Veneza e mostra que diretores já consagrados ainda têm espaço para experimentar e inovar.

POUCAS PALMAS PARA BRIAN
Mesmo tendo feito dois filmes dentro de um só, Brian de Palma não consegue dividir de forma proporcional as duas "categorias". Se com a reportagem ele faz questionamentos, com o documentário de Sally ele faz discurso, atribuindo ao filme um caráter ideológico quase panfletário, apenas para divulgar a posição do diretor sobre a invasão do Iraque.

VAIAS PARA DE PALMA
Usar o filme como instrumento de divulgação de um determinado ponto de vista (mesmo que o do diretor) não é um grande problema e não chega a comprometer a película. O problema está na argumentação: de Palma se apóia em idéias que já estão muito desgastadas, e que já foram pauta de qualquer pseudo-debate de jornal.

Ao apresentar argumentos batidos, o cineasta veterano se vê tendo que usar recursos amadores, como ironizar os argumentos daqueles que discordam dele, ou fazer pouco caso da justificativa do governo americano e de alguns soldados para estarem na guerra.
Ou até mesmo chamar Sally, o homem da câmera, de abutre que está na situação, mas não faz nada para mudá-la, já que ele está apenas em busca de podridão para mostrar - argumento notadamente desgastado.

... E ENTRE VAIAS E PALMAS
Relativizando os poréns, Redacted é um filme diferente por apresentar esse formato de englobar a linguagem jornalística e de documentário num filme ficcional, e, como era de se esperar, é um filme muito bem feito. Mas, a partir do momento em que se propõe a ser trampolim para um discurso político, ou um manifesto para chamar atenção das massas, o diretor escorrega e se apóia em argumentos e técnicas de retórica cinematográficas quase adolescentes.


REDACTED
(Redacted, EUA)
Direção: Brian de Palma
Perspectiva 2007 90 min

29/10 21:20 – Cine TAM
30/10 18:10 – Cinemateca (sala BNDES)
31/10 13:30 – Cinesesc

Estômago

O filme é do ator

João Miguel é um tremendo ator. Depois de chamar a atenção em Cinema, Aspirinas e Urubus (2005) e em O Céu de Suely (2006), ele ainda precisava de um filme para brilhar sozinho: o filme se chama Estômago. Assim como nos filmes em que foi revelado, João Miguel volta a interpretar um nordestino – também é um sertanejo em Mutum, outro destaque da Mostra.

Estômago se divide em dois momentos, intercalados ao longo de todo o filme: no primeiro deles, o ator interpreta Raimundo Nonato, um migrante nordestino que tenta a vida em São Paulo; no segundo, ele é Nonato Canivete, agora tentando a vida na cadeia. Logo na primeira cena do filme, em que ele conta, com humor, a história do queijo gorgonzola ao parceiro de cela, fica evidente o que virá dali em diante: um filme calcado no talento de seu protagonista.

João Miguel é quem dá um jeito nas razoáveis atuações do restante do elenco. Também cabe a ele nos fazer rir e prestar atenção a uma história sem qualquer surpresa, mas que agrada pela despretensão – Estômago tange assuntos como a situação carcerária e o submundo da prostituição sem, em nenhum momento, virar denúncia. Cabe também a ele dar uma jeito nas fracas atuações de seus colegas de cena.

Assim como seu personagem, que será bem sucedido nos dois momentos do filme devido aos dotes na cozinha, João Miguel dá o tempero para um filme que, sem ele, seria dos mais indigestos.

LUIZ FELIPE FUSTAINO O FINO DA MOSTRA

ESTÔMAGO (Brasil, 2007)
Direção: Marcos Jorge

31 de out. de 2007

El Otro

Normal, até demais


Com um roteiro baseado inteiramente no anti-clímax, El Otro é um filme ligeiramente interessante, nada denso e extremamente entediante

PEDRO CANÁRIO
O FINO DA MOSTRA


Juan Desouza é um advogado que tem que viajar a uma cidade do interior para visitar um cliente. Tudo parece ser normal, Juan não está com pressa nem tampouco estressado, mas o passageiro que está ao lado dele no ônibus morre durante a viagem, indicando que esta não será apenas uma viagem de trabalho, mas que acontecimentos peculiares estão por vir.

Depois de resolver sua situação com o cliente, Juan diz que precisa ir embora, mas na rodoviária desiste. Resolve se hospedar num pequeno hotel, mas com outro nome, por algum motivo que o filme faz questão de não explicar, e de repente Juan se vê hospedado em outro hotel, com um terceiro nome, o que também é deixado para a interpretação do espectador.

Ariel Rotter insiste em explorar inúmeros momentos de absoluto silêncio em El Otro, e os momentos de pouca ação, sem trilha sonora não estimulam o espectador a prestar atenção no filme, que tem uma história bem menos peculiar do que qualquer sinopse possa resumir.

Talvez a completa falta de ação e o marasmo que o filme apresentam sejam uma forma de mostrar como a vida não é uma coisa certa, ou que não estamos presos pra sempre nas escolhas feitas no passado, mas sem fazer os juízos de valor comuns a Hollywood. Talvez.

O que é apresentado ao espectador é uma sucessão de pequenos fatos que não têm muita importância para o roteiro e que poderiam muito bem não acontecer e a história se desenvolveria da mesma forma. Esses pequenos fatos demoram demais (pelo menos é a sensação que se tem, já que o filme tem apenas 83 minutos) para se desenvolver, para se concluírem em nada.


EL OTRO
(El Otro, Argentina/França/Alemanha)
Direção: Ariel Rotter.
Competição | 2007 | 83 min

23/10 | 18:40 - Unibanco Arteplex 1
24/10 | 16:20 - Cine Bombril Sala 1
27/10 | 16:40 - Cinemateca (sala BNDES)
29/10 | 20:20 - HSBC Belas Artes 2

30 de out. de 2007

O Amor nos Tempos do Cólera

O amor está lá. Já a cólera...

Mesmo com muitas escolhas infelizes, o diretor se salva nos momentos cômicos de O Amor nos Tempos do Cólera

GABRIELA MAYER
ESPECIAL PARA O FINO DA MOSTRA


A cólera chegou de navio às Américas na década de 1830. Depois de matar milhares de pessoas na Europa, foi trazida também aos latino-americanos, espalhando a epidemia que provocava, entre outros sintomas, desidratação, vômitos e taquicardia.

Na Colômbia da segunda metade do século XIX, Florentino Ariza (Unax Ugalde/Javier Bardem) apresentava esses mesmos indícios, apesar de não ter passado perto da doença. O mal dele era outro: apaixonado por Fermina Daza, ele passou a vida vivendo em função do amor que sentia por ela e do qual ele nunca desiste, apesar de saber de seu casamento com outro homem, o médico Juvenal Urbino.

Em O Amor nos Tempos do Cólera, o diretor Mike Newell se esqueceu da primeira parte. A metáfora entre amor e cólera ficou perdida. O enfoque na doença, fundamental para que fosse possível compreender a comparação, foi superficial. Assim como no livro homônimo de Gabriel García Márquez, a metáfora tem que ser explicada verbalmente. Com a diferença que Newell tinha o recurso da imagem para esclarecê-la e o escritor, não.

A preocupação do diretor em ser fiel ao livro foi tanta que, além de ter ficado longo (são 138 minutos), o trabalho de Newell ficou preso aos recursos da literatura e alheio às saídas que o cinema oferece para adaptar.

Apesar de tanta fidelidade, o diretor optou por colocar seus atores, a maior parte de origem latina, para falar inglês. A grande perda dessa escolha foi nas atuações. Os atores pareceram limitados pela necessidade de falar inglês. Não que as atuações tenham sido ruins, pelo contrário. Mas pareciam ter ainda mais a oferecer. Inclusive Fernanda Montenegro, que interpreta a mãe de Florentino Ariza, dava a impressão de ter algo mais para mostrar.

Por outro lado, algumas vezes são esses mesmos atores que fazem o filme dar certo. Fermina Daza, interpretada por Giovanna Mezzogiorno, dá vida à personagem. Nos cinqüenta anos da história que são retratados, ela envelhece mais por suas expressões do que pela maquiagem.

Mesmo com uma direção problemática, o filme não fica apenas no prejuízo. Algumas perdas são compensadas pelas cenas cômicas, de um humor que até parece sem intenção, mas ainda assim incapaz de diminuir o exagero no rumo dramático da história.

O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA
(Love in the Time of Cholera, EUA)
Direção: Mike Newell
Perspectiva 2007 138 min

25/10 16:50 - Cinemateca (sala BNDES)
26/10 21:30 - Cinemark Shopping Eldorado
30/10 20:10 - Frei Caneca Unibanco Arteplex 1

29 de out. de 2007

TROFÉU BANDEIRA PAULISTA

Saiba quais são os filmes que competem ao prêmio do júri na 31ª Mostra de São Paulo.

Filmes de ficção (Competição)
A CASA DE ALICE (ALICE'S HOUSE), de Chico Teixeira / BRASIL
CORPO (BODY), de Rossana Foglia, Rubens Rewald / BRASIL
EL ORFANATO (THE ORPHANAGE), de Juan Antonio Bayona / ESPANHA
IRINA PALM (IRINA PALM), de Sam Garbarski / BÉLGICA, LUXEMBURGO, INGLATERRA, ALEMANHA, FRANÇA
LONGE DELA (AWAY FROM HER), de Sarah Polley / CANADÁ
O ANO DO PEIXE (YEAR OF THE FISH), de David Kaplan / EUA
O BANHEIRO DO PAPA (THE POPE'S TOILET), de Enrique Fernández, César Charlone / BRASIL, URUGUAI, FRANÇA
POSTALES DE LENINGRADO (POSTCARDS FROM LENINGRAD), de Mariana Rondón / VENEZUELA
TRUQUES (TRICKS), de Andrzej Jakimowski / POLÔNIA
XXY, de Lucia Puenzo / ARGENTINA, ESPANHA


Documentários (Competição)
A GRANDE LIQUIDAÇÃO (THE BIG SELLOUT), de Florian Opitz / ALEMANHA
MEU BRASIL (MY BRAZIL), de Daniela Broitman / BRASIL
O FILME DA RAINHA (THE QUEEN´S MOVIE), de Sergio Mercurio / ARGENTINA
SCREAMERS (SCREAMERS), de Carla Garapedian / REINO UNIDO, EUA
TRANSFORMARAM NOSSO DESERTO EM FOGO (THEY TURNED OUR DESERT INTO FIRE ), de Mark Brecke / SUDÃO, CHADE, EUA

A Casa de Alice

Intimidade superficial

A Casa de Alice tenta mostrar o que há de mais pessoal em uma família, mas cria vários conflitos mal-resolvidos e desinteressantes

LUIZ FELIPE FUSTAINO
O FINO DA MOSTRA


É impossível falar de A Casa de Alice sem acabar sendo um estraga-prazeres, um spoiler. É a história de uma família em que todos os membros têm algo a esconder. Mas nenhum desses segredos dá início a uma boa história para se contar, o que faz com que revelá-los torne todo o filme bastante irrelevante. Na verdade, o filme se resume a criar um segredo, torná-lo público e esperar pela reação da família. Criar um segredo, torná-lo público e... assim vai.

Alice (Carla Ribas), mãe e protagonista do filme, não controla seus impulsos adúlteros, sobretudo devido à falta de sexo no casamento. O marido, Lindomar (Zécarlos Machado), tem um relacionamento com Thais, garota da mesma idade de seu filho caçula, Junior (Felipe Massuia). Edinho (Ricardo Vilaça), o irmão do meio, sempre aparece em casa com algum acessório caro, que seria incapaz de comprar com sua mesada – esconde da família os pequenos furtos que comete dentro da própria casa. Lucas (Vinícius Zinn), o mais velho, é bastante conservador – para deixar isso evidente, o filme cai na mesmice de caracterizá-lo como um oficial do exército –, mas consegue uma grana extra saindo com outros homens.

A Casa de Alice se propõe a contar uma história de uma família de classe média em seu lado mais pessoal, no que há de mais privado entre eles. Quer mostrar a casa de Alice. A proposta merece aplausos: em geral, o cinema nacional tem dificuldade em ser despretensioso - há uma nítida aversão aos pequenos problemas e uma necessidade infinita de discutir as mazelas sociais.

Mas nessa casa os pequenos delitos familiares são tantos e tão pouco explorados que não há qualquer expectativa quanto ao desfecho de cada uma das histórias.

A fraquíssima atuação do elenco também conduz a platéia ao desinteresse. Durante o filme, parece existir várias câmeras na casa de Alice e que a família está incomodada com a sua presença. Em nenhum momento fica a impressão de que a câmera não está lá, tamanha a artificialidade das cenas. Se isso é péssimo para qualquer filme, em um drama que busca revelar intimidades familiares acaba sendo fatal.

A CASA DE ALICE
(A Casa de Alice, Brasil)
Direção: Chico Teixeira
Competição | 2007 | 94 min

22/10 | 20:30 - Frei Caneca Unibanco Arteplex 3
30/10 | 17:00 - Cinesesc
31/10 | 19:00 - Cinemark – Shopping Eldorado

28 de out. de 2007

Bomb It

A bomba da contra-cultura

Bomb It é provocador ao discutir a expansão do grafite e sua eficiência como arma de protesto

JULIO LAMAS
ESPECIAL PARA O FINO DA MOSTRA

[foto: Mariana Pasini]

A pichação não é tema incomum na história. É sabido que os romanos pichavam os muros cidade com gravuras que parodiavam a vida de aristocratas e políticos. Os gregos deixavam mensagens nas colunas do Parthenon, algo que, infelizmente, alguns turistas vândalos fazem até hoje nos ricos sítios arqueológicos. Sem falar dos nazistas que pichavam a casa dos judeus, simplesmente para facilitar a perseguição da SS e da Gestapo. E quando Reagan disse "Tear down this wall", lá estavam pichadas mensagens clamando por integração e liberdade.

Na cultura pop, dos nomes nos banheiros públicos aos nomes que estão no túmulo de Jim Morrison no Pere-Lachaise, em Paris. Na política, quando picham "viva la revolución" nas ruas da Havana de 1960, ou "fora Bush" nos prédios da Paulista nos dias de hoje, lá está. Até Costa-Gavras faz referência à pichação em Z (1961), quando manifestantes estampam a letra que simboliza "ainda vive" no asfalto, protestando contra a ditadura militar na Grécia.

E para mostrar isso, e ir além, Bomb It aborda a pichação, também como criação artística de vanguarda, o mal compreendido grafite.

Ao retratar o peso do grafite como questão para o debate público nos espaços urbanos contemporâneos, o filme elucida a sua propagação como forma de expressão e auto-afirmação. Além disso, propõe uma rasa análise das grandes metrópoles mundiais e suas contradições sociais na era da globalização.

Inicialmente, o documentário conta as origens do grafite como forma marginal de expressão na história moderna. Nos Estados Unidos, por exemplo, as pichações aparecem a partir do fim do século XIX e começo do século XX, com a vinda de imigrantes irlandeses e italianos que formavam gangues e usavam a pichação para demarcar seus territórios de controle, como acontece até hoje. Desde então, a pichação e o grafite estão associados à ascensão da criminalidade e ao vilipêndio do espaço público. Bomb It mostra como reacionários condenam o grafite para exercitar sua xenofobia e classicismo contra as minorias pobres.

Esse passado criminoso do grafite, a pichação, impede, até hoje, a sua legitimação como arte pela parte conservadora das sociedades modernas. Em Nova York e Los Angeles, o grafite ainda é combatido como crime, reprimido nas ruas e nas estações de metrô. No entanto, é evidente a sua consolidação como identidade, tanto cultural como comercial através da música e da moda hip-hop. O grafite lentamente ocupa espaço no capitalismo e nas galerias de arte.

Bomb It mostra como o grafite adquire diferentes facetas em outras cidades. Em Barcelona, assim como em Amsterdã, os grafiteiros sentem a necessidade de prosseguir com as evoluções estéticas atribuídas a compatriotas no passado. Na Cidade do Cabo, capital África do Sul o grafite se tornou num ponto de integração entre brancos, negros e crioulos, após o Apartheid. Em Tokyo, no Japão, onde o espaço público é sagrado, tenta-se colocar em pauta as questões da autonomia feminina e da emancipação cultural de maneira discreta, quase escondida.

Já a São Paulo apresentada em Bomb It é um caso a parte. A cidade é retratada como é: sem ordem e caótica. O grafite aqui se torna mais um reflexo da nossa famosa “desigualdade”, um prato cheio para os pragmáticos de plantão. A máxima fica por conta dos artistas Os Gêmeos, que ressaltam o axioma paulistano de que "aqui não se vive, se sobrevive".

O documentário provoca a excitação do público com a sua trilha sonora que vai do hip-hop e electro ao hardcore de Rage Against de Machine, aumentando e dialogando com grande impacto visual garantido pelos melhores artistas do grafite no mundo. Bomb it é uma pequena surpresa na 31ª Mostra, e um dos poucos filmes que vi sendo aplaudidos no final da sessão.

BOMB IT
(Bomb It, EUA)
Direção: Jon Reiss
Perspectiva | 2007 | 94 min

25/10 | 15:00 - Frei Caneca Unibanco Arteplex 2
27/10 | 20:40 - Reserva Cultural 1
29/10 | 19:00 - FAAP - Fundação Armando Álvares Penteado

27 de out. de 2007

Mutum

Não é preciso dizer nada

Mutum dispensa o falatório, valoriza as atuações de iniciantes e faz incríveis imagens no sertão

MARIANA PASINI
ESPECIAL PARA O FINO DA MOSTRA


Assim como a história de Manuelzão e Miguilim, do livro Campo Geral, de João Guimarães Rosa, Mutum é todo contado pelo ponto de vista de uma criança. A obra do escritor mineiro serve de base para o filme, numa difícil tarefa de adaptação para o cinema que, no entanto, é desempenhada de forma bela e poética por Sandra Kogut. A diretora, autora de documentários intimistas como Um Passaporte Húngaro (2001) e Lá e Cá (1995), aventura-se no campo da ficção, conseguindo um resultado coeso e admirável.

A cidade que dá nome ao longa é característica dos romances de Guimarães Rosa: remota, perdida no meio do sertão mineiro, vítima da natureza implacável, que castiga os moradores de pouca fala. A escolha da diretora de usar intérpretes que vieram desse meio confere mais autenticidade ao filme: os atores estreantes de Mutum foram selecionados em João Pessoa, na Paraíba. Tiago da Silva Maris interpreta o menino de mesmo nome cuja sofrida e precoce transformação em adulto é o tema principal do longa.

Evoluindo no ritmo próprio do sertão, a história de Tiago fascina pela simplicidade e pureza com que é contada. Brincadeiras inocentes e alegres se misturam a conflitos sérios. Tentando suportar as dificuldades da vida no sertão, rumores sobre o possível adultério da mãe, o comportamento intolerante e violento do pai, o garoto é forçado a amadurecer e conviver com situações que ainda lhe são estranhas. Os problemas apareceram cedo demais, e Tiago tem de aprender a lidar com eles, mesmo que não esteja pronto.

Repletas de um realismo por vezes intrigante, as cenas de Mutum são louváveis. Um exemplo é a passagem em que os pais de Tiago discutem e partem para uma briga séria, chegam a gritar um com o outro e a derrubar pratos e copos, produzindo um barulho assustador para uma criança de 10 anos. A câmera enquadra o rosto de Tiago, mostrando as lágrimas que correm no seu rosto, e o som caótico da briga é a única evidência de um conflito. A cena não é retratada dessa forma à toa: o foco do filme são mais as reações e os sentimentos de alguém incapaz de compreender perfeitamente o que se passa à sua volta do que o ambiente em que ele vive.


A morte também entra no cotidiano do menino, mas Kogut escolhe mostrá-la de forma indireta: pela dor dos personagens. Por essa opção corajosa chega-se a episódios que dissimulam seu drama de maneira sutil, como na cena em que a avó de Tiago retira os lençóis e o colchão em que Felipe, irmão de Tiago, falecera.

Mutum também pode significar "mudo" – o título do filme traduz os silêncios de que o universo de Tiago também é feito. Ele tem de enfrentar sozinho um lugar cheio de intrigas, passando por experiências que consolidarão o caráter que irá formar. Ao mesmo tempo em que decifra esse lugar, lhe será dada a oportunidade de deixá-lo por um médico que lhe empresta seus óculos, com os quais ele enxerga muito melhor – a metáfora presente na passagem é gritante, talvez em demasia. Num final emblemático, a decisão de Tiago evidencia a maturidade que o menino conseguiu alcançar.

A realidade é expressa através das expressões e olhares dos personagens, e não por meio de diálogos ou falas, que são escassas. Fugindo de estéticas antiquadas e sentimentalistas, Kogut trata do conflito entre a inocência pueril, cheia de esperanças e desejos, e uma realidade esmagadora que reprime e confunde.

O filme venceu o prêmio oficial do júri no Festival do Rio desse ano e foi eleito o representante brasileiro na Quinzena dos Diretores do Festival de Cannes. Tratando do sertão de forma simples, sem glamour novelesco, eleição de heróis ou a separação nítida entre bem e mal, Mutum tem beleza própria.

MUTUM
(Mutum, Brasil)
Direção: Sandra Kogut
Competição | 2006 | 95 min

24/10 | 20:30 - Cine Bombril 1
25/10 | 15:10 - Espaço Unibanco de Cinema 3
28/10 | 15:30 - Cine Bombril 2

No Vale das Sombras

Paul Haggis e suas fórmulas pretensiosas

No Vale das Sombras é um filme com cara de Oscar cujos bons momentos são encobertos pela sombra de seu diretor

STEFANIE GASPAR
O FINO DA MOSTRA


No Vale das Sombras narra a busca de Hank Deerfield por seu filho, Mike, que foi soldado na guerra do Iraque, mas desapareceu após retornar aos EUA. O filme tem uma ótima trama, que explora os aspectos psicológicos da guerra do Iraque. Para os pais, Mike era apenas um garoto patriota que ingressou no exército para levar a "democracia" até nações oprimidas, o mesmo argumento utilizado pelo governo americano para manter ocultos seus verdadeiros interesses. Entretanto, o filme revela aos poucos que Mike é uma pessoa muito diferente dessa imagem idealizada de "bom garoto", um homem estigmatizado pelo trauma da guerra e dono de uma consciência bastante deturpada.

O filme, em vez de apenas mostrar a situação dos soldados que voltam traumatizados do Iraque, acaba caindo no erro de tentar encontrar justificativas para tudo. Uma delas é a vontade de colocar a culpa no consumo de drogas, moralismo que a narrativa quase abraça, mas se recupera a tempo. Outro problema é tentar minimizar crimes de guerra sob a justificativa de que os soldados estavam "protegendo a pátria", o que não se sustenta de forma alguma e acaba enfraquecendo a trama. São inconsistências que o roteiro acaba corrigindo no decorrer do filme, mas a sensação ruim de moralismo acaba permanecendo.

A preocupação com a mensagem, os temas e as reflexões é latente, mas não submete as técnicas cinematográficas a uma desvalorização. A filmagem tem seus bons momentos, como o ritual matutino do pai de Mike, que arruma minuciosamente sua cama, suas roupas e seus sapatos. Ao mostrar esse ritual militar que permanece no protagonista mesmo 20 anos após sua aposentadoria, o filme diz que determinadas experiências nunca se vão. A guerra é uma delas.

Em sua obra anterior, Crash, Paul Haggis criou uma narrativa aparentemente complexa para falar do preconceito latente na sociedade norte-americana, em um filme feito sob medida para o Oscar com seu final edificante e moralista. Com No Vale das Sombras, não carregou tanto no sentimentalismo barato, mas ainda assim parece se preocupar apenas em criar filmes que a Academia americana, com seus decanos conservadores, pensará em premiar. A atuação de Tommy Lee Jones, apesar de boa, é feita sob medida para um Oscar de melhor ator.

No Vale das Sombras tem seus defeitos, mas é capaz de provocar diversas reflexões sobre a sociedade americana atual e a tendência patriótica de auto-ilusão que muitos utilizam para superar os traumas da guerra e relevar os crimes do governo. Mas é bom que Paul Haggis não se engane – sua fórmula "vou fazer um filme sobre traumas psicológicos na América para ganhar o Oscar" já está bastante desgastada e não vai suportar outras reprises.

NO VALE DAS SOMBRAS
(In the Valley of Elah, EUA)
Direção: Paul Haggis
Perspectiva | 2007 | 121 min

23/10 | 19:00 - Cinemark - Shopping Eldorado
24/10 | 21:20 - iG Cine
25/10 | 13:30 - Cinesesc

O Clube de Leitura de Jane Austen

Uma Jane Austen conservadora

O Clube de leitura... tem bons momentos, mas se equivoca ao transformar a obra de Jane Austen em moralismo convencional

STEFANIE GASPAR
O FINO DA MOSTRA


O Clube de Leitura... tem como premissa a vida de várias mulheres que têm um ponto em comum: o amor pela obra literária de Jane Austen. A partir desta paixão, elas formam um clube de leitura para discutir as seis obras da escritora inglesa, agregando mais tarde três homens ao grupo – obviamente, interesses amorosos das protagonistas.

O filme, obviamente, foi feito para atrair todos os tipos de público, já que tem diversas situações engraçadas e é de fácil apelo. Entretanto, só quem leu toda a obra de Jane Austen será capaz de compreender os paralelos entre a vida dos personagens do filme e dos livros. Os diálogos do clube não explicam para o espectador quem são Marianne, Elinor, Emma, Mr.Knightley, Fanny Price, entre outros. Mesmo assim, a narrativa é capaz de prender a atenção de todos os espectadores, sem nunca ser cansativa.

Um dos grandes trunfos do filme é que ele provoca uma vontade enorme de ler todos os livros da escritora inglesa, o que acaba mantendo-o na memória das pessoas por mais tempo do que aconteceria se ele concentrasse apenas nos relacionamentos entre os personagens. Como a obra de Jane Austen é excepcional e não se esgota mesmo após releituras sucessivas, O Clube de Leitura... ganha relevância por discutir, mesmo que superficialmente, vários temas dos livros. Sem esse forte ponto de apoio, o filme não se sustentaria.

O filme, entretanto, acaba caindo no moralismo barato ao usar o nome de Jane Austen para justificar as escolhas mais conservadoras da trama. Todas as mulheres que têm problemas com seus casamentos no filme, em vez de terminá-los sem traumas e seguir com a vida, ficam eternamente no dilema volto ou não volto, fiz certo ou não... Quando Prudie está em dúvida se trai ou não o marido que não ama mais, aparece a frase "O que Jane faria?", como justificativa para a "integridade" da personagem ser mantida. Mas as situações não são, nem de longe, as mesmas. O divórcio, na época de Jane Austen, só existia caso a mulher fosse infiel. Ao defender que o casamento era a mais importante escolha da vida da mulher, portanto, a escritora não demonstrava conservadorismo, e sim um realismo que condizia com sua época. Mesmo assim ela jamais defendeu que as mulheres deveriam se acomodar e casar sem amor só por uma boa situação financeira. As mulheres contemporâneas não passam por essas privações. Transformar o pensamento de Austen em algo tão tradicional é tirar a obra de seu contexto para justificar o conservadorismo da trama de O Clube de Leitura...

Para os amantes da elegante ironia e da inteligência de Jane Austen, o filme é interessante e gostoso de assistir, embora não passe disso. Para os que não a conhecem, é uma boa oportunidade para se interessar pelos livros. Infelizmente, esse é o saldo final que o filme transmite, já que não se aprofunda nas questões dos livros de Austen, usando-os apenas como ponto de partida. Mas é inegável que O Clube de leitura... é um filme agradável e que merece, ao menos, uma pequena atenção. Que faltou a ironia mordaz de Austen no filme, isso é mais que inegável. Pena que o diretor não é nenhum Mr.Darcy...


O CLUBE DE LEITURA DE JANE AUSTEN
(The Jane Austen Book Club, EUA)
Direção: Robin Swicord
Perspectiva | 2007 | 107 min

21/10 | 20:20 - Frei Caneca Unibanco Arteplex 1
22/10 | 18:50 - Frei Caneca Unibanco Arteplex 2
24/10 | 13:30 - Cinesesc